quinta-feira, agosto 10, 2006

ubuntu


"Ubuntu" - nova revista sócio-cultural lançada em Bissau
José Sousa Dias, da Agência Lusa Bissau, 27 Fev (Lusa)
A Guiné-Bissau volta a contar, a partir de hoje, com uma nova revista sócio-cultural, a "Ubuntu", fruto de um projecto idealizado por um grupo de jovens quadros guineenses recentemente regressado ao país.
A revista, de 60 páginas, é dirigida por Jorge Lopes Queta, quadro do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em Bissau e mestrando em Relações Internacionais, e constitui um espaço de reflexão em que são abordados todos os temas, "sem complexos".
Em declarações à Agência Lusa, Jorge Lopes Queta indicou que a periodicidade da revista, lançada sábado à noite em Bissau durante a 14ª edição das "Noites Culturais" promovidas pela Associação Ubuntu, "será inicialmente anual, embora haja planos para que se torne ainda este ano semestral ou mesmo trimestral".
O "Ubuntu", palavra do dialecto sul-africano Zulu que significa "dignidade" ou "respeito", conta com seis secções distintas e pretende apresentar, segundo o seu director, uma nova abordagem dos assuntos dos espaços lusófonos, maioritariamente ligados à Guiné- Bissau é à região oeste-africana.
"Essa abordagem visa alcançar uma nova visão das questões africanas, desprovida de complexos, inovadora e objectiva, e que deverá caracterizar a mudança de milénio", sublinhou Jorge Lopes Queta.
A este facto não é alheio a juventude dos seus responsáveis, pois são todos da geração pós-independência e que tiveram oportunidade de estudar no estrangeiro, nomeadamente em Portugal.
Nesse sentido, esclareceu o director, esta nova visão tem também por objectivo estimular o debate público de temas conjunturais, tendo em conta o "público-alvo" da revista: os diversos actores sociais, como investigadores, universitários, lideranças nacionais e comunitárias, responsáveis da sociedade civil e políticos.
O conceito Ubuntu, que tem na sua génese o lema "Eu sou porque nós somos. Nós somos porque tu és. Nós sabemos somente que somos porque o outro é.", é um princípio organizacional da consciência africana.
"Define a proeminência dos interesses da comunidade em detrimento do individual e a obrigação do indivíduo em partilhar o que é pessoal com a comunidade", explicou Jorge Lopes Queta.
O número 1 da revista, que não lançou o tradicional número zero, consagra um dossier de 10 páginas sobre a participação cívica em África, bem como vários artigos de opinião sobre os mais variados domínios, entre eles os político, económico, social e cultural.
O conceito de "Ubuntu" é, contudo, mais lato, explicou Jorge Lopes Queta, que adiantou que a revista é apenas um vector do projecto, que se associa claramente às actividades de índole cultural.
Tudo começou em Lisboa, quando, em 1997, um grupo de jovens estudantes universitários africanos criou a Associação Africana Ubuntu com o objectivo de editar uma revista e desenvolver projectos humanitários na área da Educação.
Além de Jorge Lopes Queta, envolveram-se no projecto a sua irmã, Eunice Queta, hoje advogada residente em Lisboa, e Rómulo Pires, licenciado em Gestão Bancária e que estagia actualmente na sede do Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO), em Dacar.
Findas as licenciaturas e com o consequente regresso de muitos dos estudantes a Bissau, iniciou-se uma série de actividades culturais que, no princípio, tiveram pouca recepção local, pois a divulgação era praticamente nula e a resistência dos guineenses à novidade era grande.
Jorge Lopes Queta lembrou que, no início, as "noites culturais" não passavam de um "mero encontro de amigos", na sua maioria estrangeiros, e que, com o tempo, a iniciativa ganhou adeptos, tendo-se já transformado num "acontecimento cultural por excelência" no país.
As "noites culturais", que já vão na 14ª edição, congregam uma série de iniciativas, pois é aí demonstrado todo o potencial cultural que se desenvolve na Guiné-Bissau, onde a tradição, nomeadamente na dança, é o prato forte.
O evento serve para os que músicos menos conhecidos apresentem as suas canções, para os pintores exibirem as suas obras, para os escritores divulgarem os seus livros, para os actores levarem a cena as suas peças de teatro, para todos mostrarem a sua arte.
Ponto de referência para a cultura guineense, a associação conta com poucos apoios quer estatais quer da classe empresarial e, como instituição sem fins lucrativos, os poucos lucros revertem para um fundo destinado a promover e realizar as "Noites Culturais", que Jorge Lopes Queta tem conseguido manter com uma periodicidade irregular.
Em relação ao futuro, o director da "Ubuntu" pretende obter uma estrutura "talvez um pouco mais profissionalizada", para que se possa manter quer a revista, quer as "Noites Culturais".
No entanto, o projecto, adiantou, é muito mais vasto, pretendendo-se, a partir de agora, criar um espaço e um roteiro cultural, um programa radiofónico, apoiar e desenvolver acções para a defesa e promoção da cultura e promover a participação cívica e os valores da cidadania, democracia e liberdade junto da sociedade.
Com o surgimento do "Ubuntu", é relançada na Guiné-Bissau a ideia de uma revista sócio-cultural, após a "Tcholona", um magazine lançado em 1997 e que, por falta de financiamento, terminou após o sexto número.
A "Tcholona", palavra crioula que significa "dar uma dica" foi criada em 1995 pelo Grupo de Expressão Cultural (GREC), que se dedicava a divulgar e promover as artes e letras guineenses, entretanto desactivado.
Nos últimos anos da década de 70, o então único jornal da Guiné-Bissau, o Nô Pintcha, publicou, embora de forma irregular, um suplemento literário intitulado "Bambaran", em que havia a preocupação de promover a cultura do novo Estado independente.

Lusa/Fim